Quando Marty McFly visitou o ano de 2015 pela primeira vez, ele encontrou um mundo repleto de tecnologias estranhas. Como era costume nos anos 80, a visão do futuro era sempre exagerada e cheia de bizarrices — mas isso não impediu o clássico de ter vários acertos. Ainda estamos longe de termos carros voadores, combustíveis baseados em lixo e cinemas holográficos, mas gadgets vestíveis, videogames com sensores de movimento e videochamadas já são uma realidade há algum tempo.
No entanto, e se fizéssemos a mesma viagem que o herói de De Volta para o Futuro e, a bordo de um DeLorean, fôssemos dar um pulinho ali em 2045? Quais tecnologias encontraríamos? Será que esse lugar para onde iríamos ainda precisaria de estradas?
É difícil imaginar com exatidão o que pode mudar nessas três décadas, e correríamos o risco de fazer o mesmo que o diretor Robert Zemeckis: prever coisas absurdas e completamente fora da realidade. Ou será que não? Afinal, não estamos mais vivendo o entusiasmo tecnológico dos anos 80, e é muito mais fácil analisar as tendências atuais do mercado e projetá-las em um futuro não tão distante assim.
Para isso, conversamos com alguém que não só entende do assunto como é um dos responsáveis por conduzir o mundo da tecnologia para esse futuro. Assim, para tornar as coisas menos fictícias e mais próximas da realidade, embarcamos nesse DeLorean ao lado de Richard Huddy, cientista chefe de gaming da AMD, que compartilhou algumas de suas previsões conosco.
Por dentro da Matrix
Um dos principais pontos destacados nesse futuro imaginado por Huddy é algo que, de certo modo, já pode ser visto a qualquer momento em nossas vidas. Segundo ele, o mundo estará ainda mais conectado, e não é nenhum desafio imaginar como isso vai acontecer. "Se o passado nos diz alguma coisa é que nós adoramos esse tipo de existência altamente conectada e sempre online", explica o cientista. "Temos muitos mais telas em nossas vidas do que antes e as usamos por mais tempo".
Para o pesquisador da AMD, houve uma mudança significativa na forma como passamos a consumir toda essa informação, deixando apenas de assistir a um programa de TV de maneira passiva para atuar de maneira muito mais interativa com amigos e completos desconhecidos ao longo de todo o dia.
De acordo com suas previsões, Huddy imagina que esse nível de interação vai alcançar novos níveis nos próximos 15 anos. Ele acredita que, até 2030, não só a internet das coisas vai ganhar força, como também a internet de tudo e a própria quantidade de dispositivos conectados deve aumentar ainda mais. E o resultado disso é algo bem próximo de um filme de ficção-científica, já que ele julga que será possível criar uma rede de informações na qual as pessoas se conectam diretamente às máquinas e dialoguem com elas.
Assustador, não é mesmo? Mas isso é algo que deve mudar ao longo dos próximos anos conforme esse tipo de tecnologia começar a se tornar viável. O cientista acredita que o futuro deve expandir essa ideia de mundo conectado e fazer com o próprio cérebro possa receber informações e imagens. Assim como em Matrix, seria como se você fizesse o download de uma foto para seu nervo óptico, dispensando o uso de uma tela.
E a teoria para isso é, de certo modo, simples. Como Richard Huddy explica, já existem equipamentos capazes de ler a mente de uma pessoa para controlar um computador e isso abre caminho para ir além. "Se você pode usar um canal para saída, então você também inventar algo parecido que faça o caminho inverso. Assim, acredito que nós poderemos criar uma interface que envie essas informações diretamente para o sistema nervoso", diz.
O pesquisador complementa dizendo que, no futuro, esses headsets que hoje são usados para "ler a mente" de uma pessoa vão ser expandidos e vão ser capazes de fazer essa comunicação com o cérebro. No entanto, ainda é preciso aprimorar algumas coisas até lá. "Para obter todos os detalhes de cada mensagem, precisaremos de transmissores cada vez mais precisos. Mas o mundo está cheio de exemplos em que o que era impossível no passado se torna algo comum no futuro", comenta o pesquisador da AMD. "Eu não vejo nenhuma complicação técnica que não possa ser superada nesse sentido. É apenas uma questão de escolha".
Eu, robô
Além disso, Huddy destaca que o futuro nos reserva interfaces ainda mais fáceis e simples de usar — e nem será preciso esperar tanto para isso. Segundo ele, nos próximos 10 anos, essa evolução vai nos permitir ter telas flexíveis e projetáveis, além de oferecer novas formas de interação. Para o cientista, tudo indica que vamos interagir com os computadores do mesmo modo como nos relacionamos com outras pessoas.
E não é nada tão absurdo assim, uma vez que já é possível encontrar sinais desse tipo de interação. Como ele relembra, as máquinas modernas já são capazes de transformar nossa fala em texto e estão começando a compreender nossas expressões faciais, seguir o movimento de nossas mãos e até entender nossa linguagem corporal. Assim, é apenas uma questão de tempo para que o próximo grande passo seja dado.
"Nós vamos conversar com os computadores e fazer pequenos movimentos de cabeça para aprovar ou negar um comando", imagina Huddy. Isso significa que, em questão de alguns poucos anos, as interfaces vão se tornar tão intuitivas que vamos estar cada vez mais próximos de termos nosso J.A.R.V.I.S. e atuarmos como o próprio Tony Stark, já que até o cientista-chefe da AMD acredita que vamos ser capazes de manipular arquivos com nossas mãos — algo que a realidade aumentada do Microsoft HoloLens, por exemplo, já vem mostrando ser algo possível. "As interfaces vão se tornar mais e mais naturais".
Isso esbarra na velha questão da inteligência artificial. O assunto, embora bastante discutido, ainda gera um pouco de receio nas pessoas. Afinal, não foram poucas as vezes em que o cinema nos mostrou essa consciência cibernética se voltando contra os humanos. Só que Richar Huddy não tem medo da Skynet, pois ele acredita que esse tipo de tecnologia já está aparecendo aos poucos em nossas vidas. "Já temos robôs que limpam nossas casas enquanto estamos fora, mas também temos outros que correm como cachorros, andam de bicicleta, dançam como um humano e fazem todo o tipo de coisa que as pessoas acham difíceis", justifica.
Assim, ele acredita que tarefas que sejam perigosas ou complexas demais para serem executadas serão realizadas por robôs em um futuro não tão distante assim. Mais do que isso, as máquinas vão cuidar também daquelas atividades que ninguém quer fazer e de modo muito mais eficiente, como separar o lixo e cuidar de todo o processo de reciclagem.
Por outro lado, essa automatização da mão de obra pode trazer consequências muito mais danosas à sociedade do que se pensa. Na verdade, a maior preocupação em relação à rebelião das máquinas não é que elas dominem o mundo à força, mas que passem a roubar o trabalho das pessoas — algo que, ainda em menor escala, já acontece. O McDonald's é um exemplo disso.
Olhando para os livros de História, isso seria quase como uma repetição daquilo que vimos no século XIX com a Revolução Industrial, em que muitas das tarefas nas fábricas deixaram de ser feitas por pessoas e passaram a ser executadas por grandes equipamentos que faziam a mesma função sem gastar tanto. O resultado foi um aumento absurdo do desemprego, inchaço nas grandes cidades e uma série de outros problemas sociais. Assim, será que estaríamos à mercê de algo parecido?
Para Richard Huddy, é uma questão de perspectiva. "Isso depende daquilo que nós queremos do capitalismo. Para alguns investidores, usar robôs como mão de obra parece ser uma opção atraente e lucrativa. Para outros, esse fator humano ainda é uma necessidade para manter as atividades produtivas. Na verdade, é uma questão política que não cabe a mim responder, mas todos nós devemos começar a pensar sobre isso", afirma. Como o cientista-chefe da AMD aponta, o futuro está quase aí.
O jogo da imitação
Deixando o pessimismo do mercado de trabalho de lado, o que esse passeio temporal de DeLorean tem a nos dizer sobre os videogames e o salto de qualidade que nos aguarda? Afinal, Huddy é o cientista-chefe do departamento de jogos da AMD e ninguém melhor do que ele para nos dizer o que o futuro nos reserva.
A começar pela própria realidade virtual, que já bate à nossa porta. Essa tecnologia havia sido prevista em De Volta para o Futuro II e aparece atualmente como a grande aposta para o mercado, com o Oculus Rift e o PlayStation VR despontando como as principais novidades. "Eu nunca vi uma aceitação tão grande da indústria quanto com o VR. A quantidade de dinheiro investido na área é surpreendente e há uma espécie de senso de urgência entre as várias fabricantes de expandir esse mercado o mais rápido possível. 2015 é o ano dos desenvolvedores, mas 2016 será a vez dos consumidores da realidade virtual", relata o cientista.
Huddy diz também que os gráficos vão ficar ainda mais reais. Só que esse é um fenômeno que não vai se limitar apenas aos games, mas a todos os outros tipos de mídias digitais. Tanto os jogos quanto o próprio cinema vão avançar na próxima década de modo que a qualidade vai se aproximar daquilo que nós vemos todos os dias no "mundo real".
Mas isso não seria um problema? Conforme essa tecnologia visual avança, mais se debate sobre o chamado "vale do estranhamento", ou "uncanny valley", como é chamado em inglês. "Esse é um fenômeno interessante, em que o conteúdo gerado se aproxima tanto do humano que acaba se tornando estranho. Você sabe que aquilo não é real, mas não sabe dizer exatamente o porquê", detalha o pesquisador.
Ele cita ainda o exemplo do filme Shrek, de 2001, no qual a figura da Princesa Fiona assustava às pessoas por conta de seu visual realista. "Os autores do filme não sabiam o que havia de errado com ela, mas todos concordavam de que existia algo nela que não funcionava. Assim, eles estilizaram seus olhos e isso fez toda a diferença".
Assim, Huddy acredita que os próprios computadores vão nos apontar esse limite para que as pessoas ainda possam lidar bem com o uncanny valley. Para ele, ainda não vamos saber dizer o que está errado nessas imagens, mas vamos continuar procurando algo que mostre que essas imagens mais realistas são, no fim das contas, falsas. De acordo com sua previsão, serão as máquinas que vão nos indicar esses pequenos detalhes para nos colocar de volta à nossa zona de conforto.
Preparando o futuro
Isso quer dizer que esse é o mundo que nos aguarda? Difícil dizer. Como comentado no início do texto, essas são apenas algumas previsões de alguém que está trabalhando diretamente com essas tendências e tem uma visão bem clara do caminho que o mercado vai trilhar. Por outro lado, isso não é uma total certeza.
Assim como aconteceu há 30 anos em De Volta para o Futuro II, essa imaginação do mundo nas próximas décadas é um completo tiro no escuro. Algumas apostas são mais certas do que outras, mas nada garante que a tecnologia vai evoluir seguindo esse mesmo roteiro. Ainda assim, sempre vale a pena esperar por cada um desses pontos. E enquanto 2045 não chega, seguimos procurando aquele skate voador que nos prometeram em 1985.